O passado é um instante que passa, acaba-se e
deixa de existir para se transformar em um fantasma a nos atormentar a alma. Os
animais, que vivem o instante, sem memória, são felizes, ao contrário de quem
os inveja, os homens, que não conseguem esquecer. Que carregam o fardo das
lembranças. Um fardo que cresce com o passar dos tempos. Um fardo que o esmaga
e o desvia, que torna pesada sua caminhada e o faz se emocionar ao ver um
rebanho pastar, como que se lembrasse do paraíso perdido, ou de uma criança que
brinca, na sua feliz cegueira, sem qualquer passado a recusar.
Um rebanho que pasta ignora o que foi ontem, e
o que será amanhã. Não espera, não imagina, não tem medo do que virá. Não
associa causas a conseqüências. Não faz inferências baseadas no que passou.
Simplesmente vive o momento e sua felicidade. Felicidade que consiste no
instante. No presente. Não em um futuro que se espera a partir do que passou.
Felicidade que irrompe eterna em sua eterna soma de instantes. Felicidade que
corre livre e solta, sem o fardo das memórias passadas. Fardo que carregamos
indiscriminadamente por não podermos esquecer.
E por isso invejamos as crianças, ingênuas e
inocentes, imaculadas pela memória, pelas lembranças, pela noção de causa e
conseqüência e pela brincadeira macabra e dolorosa que se chama indução.
Brincadeira que nos faz de bobos medrosos, de crentes alienados que se entregam
de corpo e alma a qualquer verdade que pareça sedutora. Verdade que se imagina,
que se sonha, que se deseja, que se tem medo, que nos é imposta, seja por
aqueles que nos guiam, seja por nós mesmos em nossos devaneios e medos. Verdade
que não existe em nosso mundo real, mas apenas em um futuro criado pelo passado
que se foi.
O Futuro, outro ente sem mãe, filho de um
passado que já morreu. Filho que nunca chegará a nascer por não contar com um
ventre fecundo. Filho que, tolhido de vida, nos assombra junto a seu pai em um
eterno esperar. Esperar fruto do passado. Fruto maldito da árvore envenenada
que nos negou o paraíso. Esperar que nos mói por dentro, que nos lega o medo e
a infelicidade.
Não sejamos rebanhos. Estejamos sempre - sempre - na ativa!
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