quinta-feira, 5 de setembro de 2013

UMA TAL FILOSOFIA: O PROBLEMA FILOSÓFICO


A Sabedoria, tão sonhada. Fonte dos mais ardentes e eróticos desejos de vida. Nascente de águas límpidas, transparentes, esclarecedoras, pelas quais se vê o fundo. Águas pelas quais se pode ver o uno, o inseparável, o divino, a coisa em si.
        
A Sabedoria, fonte que em si deságua. Com suas curvas, que nos enchem os olhos, seus contrastes, que nos fazem delirar, sua carne, que nos excita, e, principalmente, seu olhar enigmático e sensual, que nos convida à mais comprometida entrega, nos faz mergulhar de cabeça em suas profundezas de prazer e gozo realizador.
        
A Sabedoria, digna dos Deuses, não dos mortais. Senhora das Ninfas que permeiam nossos pensamentos mergulhados no líquido que jorra da insaciedade.
        
Como podemos alcançá-la, tê-la aos braços? Acariciá-la e possui-la na unificação de corpos, como quando em sonhos passamos a ser um só e contemplamos o âmago de seu ser?
Será que apenas poderemos contemplá-la ao longe? Tê-la afastada, apenas ao alcance da vista? Flertar e seduzir seus encantos, amar e ser amado à distância, querer bem e orar por sua felicidade desinteressadamente, como em pensamentos platônicos que algum mortal um dia teve?
        
Sim, contemplá-la, almejá-la, amá-la. São apenas estes os verbos que o Logos permite aos mortais conjugar em face dela. A sabedoria é Deusa imaculada, digna apenas dos seus – Como um anjo do inferno, Apolo não mede esforços a convencer-nos de tais argumentos.
        
Nada é tão honrado e digno a um mortal do que  o ato de cultuar os deuses. Deuses que se encontram inatingíveis pela mortalidade no alto de seus pedestais de mármore branco.
        
Nada é tão próprio a um mortal do que a amizade pura e despretensiosa aos deuses. Um amor não diria “platônico”, mas “aristotélico”. Um amor belo, cosmético, sistematizador, teorético. Um amor pelo próprio amor. Algo longe do concretizar. Algo utópico, que não permite encostar os pés em nenhum chão que o leve à concretude e realidade de seus verdadeiros desejos.
        
Tal amor, um Philos despretencioso, é o que Apolo nos diz ser o desejável, o realizável. Tal amor amigo é tudo com o que podemos nos contentar em nossa mais imperfeita finitude.
        
Mas como consolo, é claro, existe o Logos. Logos este que, transmutação de Apolo – ou vice-versa – embriaga-nos e nos faz esquecer de nossa paixão. Amortece-nos o espírito e nos ajuda a mascarar a dor da falta. Conforta-nos e nos faz esquecer nosso real desejo: o toque quente e trêmulo de dois pulsantes corações.
        
Logos, presente divino, cercado de mistério e desmistificação. Meio, ou fim? Não importa. Importa-nos o alcançável, o real, o existente, o inteligível, o razoável, o possível, o que nos aparece e se presta a tentar saciar nossos vícios – Assim determina o Logos.
        
De que adiantam quimeras, fantasmas a nos atormentar a alma. Deuses e mitos hipotéticos que não permeiam a razão? De que adiantam sonhos, quando podemos simplesmente acordar? Apolo é nosso anjo protetor, nosso guia nessa jornada pelo alcançável, pelo que nos é digno, pelo que nos é separado, pelo que nos é definível e determinado. A ele devemos o Logos. A ele devemos o Philos. A ele devemos o amor “puro e verdadeiro”, despretencioso, teorético. A ele devemos o que somos, o que fomos e o que seremos. E a ele devemos cultuar. A ele e a tudo o que ele fez por nós. O que somos, o que nos demos, o que nos mostramos.
        
E, aos poucos, entorpecidos pelo Logos, passamos a notar uma figura que até então não nos enchia os olhos. Uma tal “Filosofia”.
        
É como dizem por ai: “Não existe mulher feia, você é quem bebeu pouco!”
        
Ditado machista e preconceituoso que vive no mundo das aparências.
        
Como alguém já deve ter dito, que são verdades senão encadeamentos de palavras? Mais do que os signos, valem-nos as relações. E talvez um mito nos traga mais realidade do que infinitas verdades, proposições que se traduzem em piadas.
        
Se só tem tu, vai tu mesmo!
        
O fato é que a filosofia acabou se tornando nossa atual ocupação. Nosso amor, nosso objeto de preocupação. Nossa filha, nossa irmã, nossa amiga e companheira nos momentos de solidão.
        
A filosofia é quem nos põe no colo, nos faz cafuné e pergunta como foi o dia. É ela quem nos passa as cuecas e nos dá um abraço sincero e carinhoso antes de se deitar. É ela quem nos ensina as regras dos joguinhos que tanto gostamos e nos ajudam a passar o nosso finito tempo. É ela quem nos chama a atenção para os mais diversos tipos de brincadeiras que podemos inventar: “Jogo dos sete erros”, “Compare e descompare”, “Qual é a música”, “Jogo dos encaixes” (um jogo divertidíssimo e bem popular, onde pegamos pecinhas de formatos diferentes e encaixamos nos buraquinhos que der para encaixar cada peça), “Resenhas e comentários”, “Critique e apareça”, “Ponha o rabo no burro”, e outros tantos jogos que nós temos a felicidade de aprender e brincar na companhia de nossa amada Filosofia.
        
Ela é quem nos ensina como nos mantermos ocupados enquanto a morte não vem.
        
E assim os dias passam, cheios de filosofar. Cheios de jogos, brincadeiras, paradoxos, preocupações, problemas existenciais, contas pra pagar. Cheios de mesmice e cotidiano. Cheios de mentiras e verdades. Cheios de contradições, cheios de “Disse-me-disses”, cheios de desculpas e pretextos, cheios de explicações, algumas sinceras e outras nem tanto.
        
E os dias passam.
        
E os meses passam.
        
E os anos passam.
        
E as décadas.
        
Os séculos.
        
E o marasmo insatisfeito que se aloja na alma de tantos é tentado a se libertar.
        
Um desejo absurdo, uma insatisfação inconsciente, um “alguma coisa está errada, mas não sei bem o que é” passa a se tornar uma constante.
        
Mas – é claro – nada que uma viagem à Europa, uma “segunda lua-de-mel” não resolva. Nada que um carro novo, uma teoria na moda, ou um passeio ao shopping não resolva. E no último caso, sempre teremos um joguinho novo com novas regras que nossa amada filosofia pode inventar para que nós brinquemos nesse eterno carrossel de idéias, pelo menos enquanto durarmos nessa terra, neste vasto playground teatral.
        
Mas, infelizmente, para alguns isso não é suficiente. Algumas mentes, ou almas, ou seja lá o que for, parecem ser infinitamente perturbadas. Infinitamente inquietas, inquiridoras, curiosas, arrogantes, preocupadas, espantadas.
        
Algumas existências parecem ser mais agitadas que outras.
        
Alguns entes parecem ter constantemente, em seu âmago, um demônio a atormentar, a instigar, a incitar e a amaldiçoar todos os segundos de sua existência. E tal demônio incorporado passa mesmo a ser uma possessão, uma encarnação.
        
E tais demônios encarnados parecem não se contentar com brincadeiras, jogos e diversões superficiais. Tais demônios não conseguem se ludibriar e se entorpecer com subidas, descidas, curvas e “loopings” da montanha-russa do Logos. Tais demônios não “encaram qualquer trambolho” que lhe apresentem – por mais que já tenham bebido.

Eles querem mais. Eles não querem só uma superficialidade descomprometida, mas querem o cerne do comprometimento. Sem falsa inocência, não conseguem reprimir seus desejos mais carnais. E, sacerdotes de Eros, deixam seus corpos e mentes explodirem de excitação rumo ao Caos, ao Uno. Rompendo as máscaras e fantasias impostas por Apolo. Transcendendo a dualidade antagonista “Apolo-dionisíaca” e seguindo cheios de segundas intenções rumo ao deleite da Sabedoria.

Tais diabos querem novamente assumir sua virilidade perdida e sufocada. Tais diabos querem novamente usufruir de suas habilidades a tanto tempo castradas e coibidas.

Tudo o que eles conseguem pensar é romper com esse “casamento de aparência” com sua amiguinha filosofia, e seguir rumo a uma relação divina e realizadora.

Tais diabos não querem acordar. Eles querem sonhar, desejar. Querem viver e morrer, mas não sem antes realizar seus sonhos. Não sem antes escalar a alta coluna de mármore branco onde, em seu topo, foi trancafiada, por Apolo, a Sabedoria. Não sem antes seduzi-la. Não sem antes liberta-la. Não sem antes contornar cada curva de sua extensão ao toque. Não sem antes faze-la ouvir sua respiração enquanto sente suas palavras doces. Não sem antes possui-la e saciá-la de verdadeira paixão.

Mas se isso não chegar nunca a acontecer, suas vidas perecerão em êxtase pelo simples fato de que, a cada segundo de sua breve vida, tais diabos viveram a paixão. A cada segundo, viveram seus sonhos. A cada segundo, viveram seus desejos. E a cada segundo, tocaram e beijaram profundamente sua amante, fonte de sua vida, e oceano de sua morte.

O problema da Filosofia é que ela não tem diabos adoradores de seu âmago, mas apenas mortais adoradores de suas formas.

O problema da Filosofia é que ela não precisa de “maridos arranjados” em “casamentos de aparência”. Ela não precisa de pseudo-homens afeminados e infantilizados em seus eternos joguinhos de “pique-pega” e “esconde-enconde” – “ping-pongs” intelectualóides. Ela precisa de homens viris, convictos e que sabem o que querem. Homens certos de si. Homens que não se castrem, que não sufoquem seus instintos eróticos. Homens que não se moldem pelo que Apolo e sua sociedade teatral lhes regrou. Homens que sejam realmente sinceros e que lhe dêem segurança – Nenhuma mulher quer um homem que não lhe faça se sentir segura. Que não lhe faça se sentir mulher.

A Filosofia precisa de homens eróticos, que a tenham por assumir seus desejos, suas paixões, seus sonhos. Que a queiram com todo o âmago de seu ser, com primeiras, segundas e terceiras intenções.

A Filosofia precisa de homens que assumam que realmente precisam dela, que realmente não vivem sem ela. Não por serem homens dependentes e inseguros, mas por serem homens que, com toda a maturidade e segurança necessárias, tenham como maior paixão e objetivo de sua vida conquistá-la e fazê-la feliz.

A Filosofia precisa de homens que entendam que ela não quer somente um amiguinho, mas um amante insaciável.

O problema da Filosofia é que ela precisa de homens que lhe rasguem a roupa, lhe tirem a maquiagem, os sapatos, suas máscaras. Que lhe arrebatem em seu leito, lhe façam esquecer da “cotidianeidade” dos dias, de seu falso casamento e do seu falso papel nessa grande encenação da vida. De seu falso nome.

O problema da filosofia é que ela precisa de homens que a vejam como realmente ela é. Homens que a convençam novamente de que ela não é só isso que querem que ela seja.

A Filosofia precisa de homens que, com vigor e decisão, cheguem em seu ouvido e, docemente, sussurrem: “Sei quem você é realmente. Você não é Filosofia, você não é essa “pseudo-sofia”. Você é Sofia, diva de minhas mais profundas realizações e raiz de meus mais profundos sonhos pecaminosos. E hoje você será minha por inteiro, e eu serei seu também por inteiro. Serei seu filho, seu pai, seu irmão, seu marido e seu amante. Serei você, e seremos um só”.

Que a façam se sentir mulher!

 Sempre na ativa!

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