A
Sabedoria, tão sonhada. Fonte dos mais ardentes e eróticos desejos de vida.
Nascente de águas límpidas, transparentes, esclarecedoras, pelas quais se vê o
fundo. Águas pelas quais se pode ver o uno, o inseparável, o divino, a coisa em
si.
A
Sabedoria, fonte que em si deságua. Com suas curvas, que nos enchem os olhos,
seus contrastes, que nos fazem delirar, sua carne, que nos excita, e,
principalmente, seu olhar enigmático e sensual, que nos convida à mais
comprometida entrega, nos faz mergulhar de cabeça em suas profundezas de prazer
e gozo realizador.
A
Sabedoria, digna dos Deuses, não dos mortais. Senhora das Ninfas que permeiam
nossos pensamentos mergulhados no líquido que jorra da insaciedade.
Como
podemos alcançá-la, tê-la aos braços? Acariciá-la e possui-la na unificação de
corpos, como quando em sonhos passamos a ser um só e contemplamos o âmago de
seu ser?
Sim, contemplá-la, almejá-la, amá-la. São
apenas estes os verbos que o Logos permite aos mortais conjugar em face dela. A
sabedoria é Deusa imaculada, digna apenas dos seus – Como um anjo do inferno,
Apolo não mede esforços a convencer-nos de tais argumentos.
Nada
é tão honrado e digno a um mortal do que
o ato de cultuar os deuses. Deuses que se encontram inatingíveis pela
mortalidade no alto de seus pedestais de mármore branco.
Nada
é tão próprio a um mortal do que a amizade pura e despretensiosa aos deuses. Um
amor não diria “platônico”, mas “aristotélico”. Um amor belo, cosmético,
sistematizador, teorético. Um amor pelo próprio amor. Algo longe do
concretizar. Algo utópico, que não permite encostar os pés em nenhum chão que o
leve à concretude e realidade de seus verdadeiros desejos.
Tal
amor, um Philos despretencioso, é o que Apolo nos diz ser o desejável, o
realizável. Tal amor amigo é tudo com o que podemos nos contentar em nossa mais
imperfeita finitude.
Mas
como consolo, é claro, existe o Logos. Logos este que, transmutação de Apolo –
ou vice-versa – embriaga-nos e nos faz esquecer de nossa paixão. Amortece-nos o
espírito e nos ajuda a mascarar a dor da falta. Conforta-nos e nos faz esquecer
nosso real desejo: o toque quente e trêmulo de dois pulsantes corações.
Logos,
presente divino, cercado de mistério e desmistificação. Meio, ou fim? Não
importa. Importa-nos o alcançável, o real, o existente, o inteligível, o
razoável, o possível, o que nos aparece e se presta a tentar saciar nossos
vícios – Assim determina o Logos.
De
que adiantam quimeras, fantasmas a nos atormentar a alma. Deuses e mitos
hipotéticos que não permeiam a razão? De que adiantam sonhos, quando podemos
simplesmente acordar? Apolo é nosso anjo protetor, nosso guia nessa jornada
pelo alcançável, pelo que nos é digno, pelo que nos é separado, pelo que nos é
definível e determinado. A ele devemos o Logos. A ele devemos o Philos. A ele
devemos o amor “puro e verdadeiro”, despretencioso, teorético. A ele devemos o
que somos, o que fomos e o que seremos. E a ele devemos cultuar. A ele e a tudo
o que ele fez por nós. O que somos, o que nos demos, o que nos mostramos.
E,
aos poucos, entorpecidos pelo Logos, passamos a notar uma figura que até então
não nos enchia os olhos. Uma tal “Filosofia”.
É
como dizem por ai: “Não existe mulher feia, você é quem bebeu pouco!”
Ditado
machista e preconceituoso que vive no mundo das aparências.
Como
alguém já deve ter dito, que são verdades senão encadeamentos de palavras? Mais
do que os signos, valem-nos as relações. E talvez um mito nos traga mais
realidade do que infinitas verdades, proposições que se traduzem em piadas.
Se
só tem tu, vai tu mesmo!
O
fato é que a filosofia acabou se tornando nossa atual ocupação. Nosso amor,
nosso objeto de preocupação. Nossa filha, nossa irmã, nossa amiga e companheira
nos momentos de solidão.
A
filosofia é quem nos põe no colo, nos faz cafuné e pergunta como foi o dia. É
ela quem nos passa as cuecas e nos dá um abraço sincero e carinhoso antes de se
deitar. É ela quem nos ensina as regras dos joguinhos que tanto gostamos e nos
ajudam a passar o nosso finito tempo. É ela quem nos chama a atenção para os
mais diversos tipos de brincadeiras que podemos inventar: “Jogo dos sete
erros”, “Compare e descompare”, “Qual é a música”, “Jogo dos encaixes” (um jogo
divertidíssimo e bem popular, onde pegamos pecinhas de formatos diferentes e
encaixamos nos buraquinhos que der para encaixar cada peça), “Resenhas e
comentários”, “Critique e apareça”, “Ponha o rabo no burro”, e outros tantos
jogos que nós temos a felicidade de aprender e brincar na companhia de nossa
amada Filosofia.
Ela
é quem nos ensina como nos mantermos ocupados enquanto a morte não vem.
E
assim os dias passam, cheios de filosofar. Cheios de jogos, brincadeiras,
paradoxos, preocupações, problemas existenciais, contas pra pagar. Cheios de
mesmice e cotidiano. Cheios de mentiras e verdades. Cheios de contradições,
cheios de “Disse-me-disses”, cheios de desculpas e pretextos, cheios de
explicações, algumas sinceras e outras nem tanto.
E
os dias passam.
E
os meses passam.
E
os anos passam.
E
as décadas.
Os
séculos.
E
o marasmo insatisfeito que se aloja na alma de tantos é tentado a se libertar.
Um
desejo absurdo, uma insatisfação inconsciente, um “alguma coisa está errada,
mas não sei bem o que é” passa a se tornar uma constante.
Mas
– é claro – nada que uma viagem à Europa, uma “segunda lua-de-mel” não resolva.
Nada que um carro novo, uma teoria na moda, ou um passeio ao shopping não
resolva. E no último caso, sempre teremos um joguinho novo com novas regras que
nossa amada filosofia pode inventar para que nós brinquemos nesse eterno
carrossel de idéias, pelo menos enquanto durarmos nessa terra, neste vasto
playground teatral.
Mas,
infelizmente, para alguns isso não é suficiente. Algumas mentes, ou almas, ou
seja lá o que for, parecem ser infinitamente perturbadas. Infinitamente
inquietas, inquiridoras, curiosas, arrogantes, preocupadas, espantadas.
Algumas
existências parecem ser mais agitadas que outras.
Alguns
entes parecem ter constantemente, em seu âmago, um demônio a atormentar, a
instigar, a incitar e a amaldiçoar todos os segundos de sua existência. E tal
demônio incorporado passa mesmo a ser uma possessão, uma encarnação.
E
tais demônios encarnados parecem não se contentar com brincadeiras, jogos e
diversões superficiais. Tais demônios não conseguem se ludibriar e se
entorpecer com subidas, descidas, curvas e “loopings” da montanha-russa do
Logos. Tais demônios não “encaram qualquer trambolho” que lhe apresentem – por
mais que já tenham bebido.
Eles
querem mais. Eles não querem só uma superficialidade descomprometida, mas
querem o cerne do comprometimento. Sem falsa inocência, não conseguem reprimir
seus desejos mais carnais. E, sacerdotes de Eros, deixam seus corpos e mentes
explodirem de excitação rumo ao Caos, ao Uno. Rompendo as máscaras e fantasias
impostas por Apolo. Transcendendo a dualidade antagonista “Apolo-dionisíaca” e
seguindo cheios de segundas intenções rumo ao deleite da Sabedoria.
Tais
diabos querem novamente assumir sua virilidade perdida e sufocada. Tais diabos
querem novamente usufruir de suas habilidades a tanto tempo castradas e
coibidas.
Tudo
o que eles conseguem pensar é romper com esse “casamento de aparência” com sua
amiguinha filosofia, e seguir rumo a uma relação divina e realizadora.
Tais
diabos não querem acordar. Eles querem sonhar, desejar. Querem viver e morrer,
mas não sem antes realizar seus sonhos. Não sem antes escalar a alta coluna de
mármore branco onde, em seu topo, foi trancafiada, por Apolo, a Sabedoria. Não
sem antes seduzi-la. Não sem antes liberta-la. Não sem antes contornar cada
curva de sua extensão ao toque. Não sem antes faze-la ouvir sua respiração
enquanto sente suas palavras doces. Não sem antes possui-la e saciá-la de
verdadeira paixão.
Mas
se isso não chegar nunca a acontecer, suas vidas perecerão em êxtase pelo
simples fato de que, a cada segundo de sua breve vida, tais diabos viveram a
paixão. A cada segundo, viveram seus sonhos. A cada segundo, viveram seus
desejos. E a cada segundo, tocaram e beijaram profundamente sua amante, fonte
de sua vida, e oceano de sua morte.
O
problema da Filosofia é que ela não tem diabos adoradores de seu âmago, mas
apenas mortais adoradores de suas formas.
O
problema da Filosofia é que ela não precisa de “maridos arranjados” em
“casamentos de aparência”. Ela não precisa de pseudo-homens afeminados e infantilizados
em seus eternos joguinhos de “pique-pega” e “esconde-enconde” – “ping-pongs”
intelectualóides. Ela precisa de homens viris, convictos e que sabem o que
querem. Homens certos de si. Homens que não se castrem, que não sufoquem seus
instintos eróticos. Homens que não se moldem pelo que Apolo e sua sociedade
teatral lhes regrou. Homens que sejam realmente sinceros e que lhe dêem
segurança – Nenhuma mulher quer um homem que não lhe faça se sentir segura. Que
não lhe faça se sentir mulher.
A
Filosofia precisa de homens eróticos, que a tenham por assumir seus desejos,
suas paixões, seus sonhos. Que a queiram com todo o âmago de seu ser, com
primeiras, segundas e terceiras intenções.
A
Filosofia precisa de homens que assumam que realmente precisam dela, que
realmente não vivem sem ela. Não por serem homens dependentes e inseguros, mas
por serem homens que, com toda a maturidade e segurança necessárias, tenham
como maior paixão e objetivo de sua vida conquistá-la e fazê-la feliz.
A
Filosofia precisa de homens que entendam que ela não quer somente um amiguinho,
mas um amante insaciável.
O
problema da Filosofia é que ela precisa de homens que lhe rasguem a roupa, lhe
tirem a maquiagem, os sapatos, suas máscaras. Que lhe arrebatem em seu leito,
lhe façam esquecer da “cotidianeidade” dos dias, de seu falso casamento e do
seu falso papel nessa grande encenação da vida. De seu falso nome.
O
problema da filosofia é que ela precisa de homens que a vejam como realmente
ela é. Homens que a convençam novamente de que ela não é só isso que querem que
ela seja.
A
Filosofia precisa de homens que, com vigor e decisão, cheguem em seu ouvido e,
docemente, sussurrem: “Sei quem você é realmente. Você não é Filosofia, você
não é essa “pseudo-sofia”. Você é Sofia, diva de minhas mais profundas
realizações e raiz de meus mais profundos sonhos pecaminosos. E hoje você será
minha por inteiro, e eu serei seu também por inteiro. Serei seu filho, seu pai,
seu irmão, seu marido e seu amante. Serei você, e seremos um só”.
Que
a façam se sentir mulher!
Sempre na ativa!
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